
No dia de ontem, 05 de janeiro de 2021, o Instituto do Negro de Alagoas (INEG), protocolou ofício junto a 2ª Promotoria de Justiça de São Miguel dos Campos solicitando providências diante da ação racista da atual gestão da Prefeitura da cidade de São Miguel dos Campos, com a retirada arbitrária da escultura que homenageia a senhora Nair da Rocha Vieira, mulher negra, baluarte da cultura negra miguelense e, como tal, uma das representantes da cultura e saberes negros do estado de Alagoas.
O ataque e o desrespeito a memória negra miguelense e alagoana é uma afronta, que deve ser desfeita imediatamente, que fere de morte o Estatuto da Igualdade Racial, Lei Federal 12.288 de 20 de julho de 2010, que no seu artigo 17 versa: “O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal” (grifo nosso), e como poder ser lido passa por cima também da Constituição Federal.
Em nota a Prefeitura de São Miguel dos Campos alegou que a retirada tem o objetivo de preservá-la e evitar a degradação e o vandalismo, e que a mesma apresentava sinais de depredação, e que a “gestão esta preocupada com o bem-estar da escultura”, que será levada para a Casa da Cultura. E que a administração tem como objetivo levar mais informação e mais arte, colocando a cultura acima de questões político-partidárias, étnicas ou religiosas, “Reafirmando que o maior patrimônio da cultura miguelense é o artista”.
Ora nada disso justifica a ação, uma vez que a mesma, se houvesse preocupação de fato, poderia ser reformada no local. Uma estátua ou obra de arte exposta em uma praça, no centro da cidade, tem como objetivo principal dar visibilidade, não só a homenageada, mas a toda cultura que ela representa, objetivo esse que não será realizado, uma vez que a peça estará agora dentro de uma sala, que por mais que seja visitada é restrita!
Há muito, na história do Brasil e do mundo, que as estátuas e obras públicas representam sim questões político, partidárias, étnico e religiosas, trazem para o dia-a-dia das pessoas muito mais que informação, coisas muito mais preciosas em ambientes de racismo estrutural como o nosso: a representação, a construção de imaginários e pertencimentos. A obra retirada era a primeira da cidade, em 156 anos de fundação, cuja as feições (a cor da pele e das roupas!) remetia a questão negra, a cultura negra, tirando da invisibilidade tais questões.
Houvesse sim qualquer preocupação real com a obra e com os assuntos a ela relacionados, deveria a administração atual, aproveitamos para destacar, que começa mal a gestão cultural do atual secretário de cultura Sr. André Vieira, se respeitasse os princípios basilares da administração pública, esculpidos na Constituição, com destaque para o Princípio da Publicidade, realizando junto à população uma discussão, informando com antecedência e com justificativas plausíveis a ação a ser realizado junto a obra. Não dá forma como foi feita, que alias causa espanto é indignação, uma atuação arbitrária, midiática, no simbólico ‘Primeiro dia de Gestão’, como forma de demonstrar poder, de mostrar estar acima da lei, e justamente, e mais uma vez, contra uma figura negra, contra uma mulher negra, que ganhou seu lugar na história nacional de forma imaterial. Um péssimo começo de gestão do Prefeito George Clemente Vieira (MDB), num ato despótico que não cabe mais nas modernas administrações.
Portanto, aguardamos o posicionamento do Ministério Público do Estado de Alagoas, representados na cidade pelo Ilustre Promotor de Justiça Dr. Vinícius Calheiros Alves, da 2º Promotoria de Justiça de São Miguel do Campos. E que a estátua seja restituída ao lugar que merece, que é o centro da cidade, que é a praça, local próprio da cultura negra, que merece cada vez mais visibilidade e para que continue a exercer sua função precípua de criar representatividade, negra, alagoana, nordestina e brasileira.
Quem era Nair da Rocha Vieira: Nair da Rocha Vieira:
Era filha deVirgílio da Rocha Vieira e de dona Albertina Andrade de Mendonça. Seu pai era filho bastardo de Epaminondas da Rocha Vieira, o “Barão de São Miguel” com a escravizada Maria Rosa do Engenho Varrela. Nair, que herdou da família materna o gosto pela cultura, pois também era neta do folclorista Jacinto Mendonça, iniciou a sua carreira artística aos quatorze anos como a rainha oficial da Taieira. Nair da Rocha é personalidade de extrema importância no movimento cultural Miguelense, pois além de ser identificada enquanto guardiã da Taieira, durante muito tempo comandou as manifestações conhecidas como Quilombo, Toré e esteve à frente do bloco carnavalesco Sinhazinha Flor.
Seus feitos em prol das manifestações culturais populares levaram-na a condição de “Mestra da Taieira”. Após sua morte no ano de 1992, observa-se uma pausa na prática da dança Taieira que apenas volta a ser valorizada em 2003, quando um novo grupo de dançantes, que leva o nome da mestra, é montado retomando assim, a continuidade cultural, divulgando na comunidade escolar e na sociedade a cultura popular. O grupo hoje em dia é composto por uma média de 20 integrantes entre 15 e 30 anos, e ensaiam nos finais de semana na Casa de Cultura de São Miguel dos Campos
Taieira: A Taieira é uma dança de cortejo, de cunho religioso e de origem africana, cujos participantes entoam cantigas religiosas e populares, dançando e tocando instrumentos de percussão. Eles, acompanham a festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito, santos padroeiros dos negros. A Taieira de São Miguel dos Campos tem característica própria, personagens excêntricos que diferenciam das outras taieiras, encontradas em outras regiões do país. A Taieira miguelense nasceu da devoção do filho de uma escrava, Maria Rosa com o Barão de São Miguel, Epaminondas da Rocha Vieira. Virgílio da Rocha Vieira, filho bastardo do Barão, era devoto de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito. Epaminondas nas suas andanças pelo Nordeste Brasileiro em companhia do filho Virgílio, encontrou em Laranjeiras, cidade do interior sergipano, uma dança folclórica, chamada de Taieira, este folguedo popular chamou muito a atenção do Barão e o deixou muito alucinado. Virgilio, filho do Barão, foi quem teve a incumbência de trazer em sua bagagem essa tradição popular de Laranjeiras pra cidade de São Miguel dos Campos. A Taieira de São Miguel dos Campos, sofreu algumas modificações, foram acrescentados outros personagens, tais como: Mateu, Caterine e Mãe Criola. O primeiro Mestre da Taieira Miguelense foi Jacinto Mendonça, sogro de Virgílio, o verdadeiro mentor dessa manifestação popular no município. Anos depois, ele passou o seu legado para sua filha, Albertina Andrade de Mendoça, e esta por sua vez passou o cargo para sua filha, Nair da Rocha Vieira, considerada por Théo Brandão como à Mestra oficial das Taieiras em Alagoas, ficando assim, imortalizada nos textos do grande folclorista alagoano. A Taieira é uma dança típica da cidade de São Miguel dos Campos e, é uma das mais autênticas tradições do folclore alagoano. Ainda hoje a cidade de São Miguel dos Campos, preserva esta grande tradição. A Taieira já foi perpetuada por mestras, como, Maria da Conceição Vanderley e Josse Lenh. Hoje a Taieira é comandada pela Mestra Ana Paula Rocha Lins, ela que é, a responsável pelo destino dessa manifestação popular no contexto histórico e cultural do município de São Miguel dos Campos. (“Dados fornecidos pela própria Nair da Bertina em vida – 1991 “) – (Texto escrito por: Ernande Bezerra de Moura)
Estou encantada com a história da fundação de São Miguel dos campos ! Com sua personalidade Nair da Rocha Vieira .